A crise econômica pela
qual o país está passando tem origem política, como apontam dois economistas. João
Sicsu, ex-diretor do Departamento de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fala sobre a falta de legitimidade do
governo Temer e sua consequente falta de confiança de setores da sociedade, afetando
a estabilidade econômica. Já David Kupfer, diretor do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta entre os culpados
pela crise também estão o esgotamento do modelo econômico vigente e decisões
políticas e econômicas erradas e adotadas nos últimos anos
A crise econômica afeta
diferentes pontos de investimento social, inclusive a educação, nas
instituições federais de ensino. Kupfer diz ao Boletim ECOnômico que há um desfinanciamento
que está acontecendo atualmente nas Universidades Federais, que receberam muito
incentivo nos últimos anos. Sicsu prevê que, em 10 anos, o investimento na
educação superior será 70% menor, se a Proposta de Emenda Constitucional de
controle dos gastos públicos for aprovada. A seguir, as entrevistas concedidas pelos dois
especialistas a esta edição do Boletim ECOnômico.
David Kupfer
Diretor
do Instituto de Economia da UFRJ
A origem da crise é política e a
solução também
Boletim
ECOnômico – Qual é a origem da crise econômica pela qual o país vem passando?
David Kupfer – A crise
econômica brasileira tem múltiplas origens. Pelo menos em três ordens de
geratrizes. Uma primeira questão relevante diz respeito ao esgotamento de um
determinado modelo de estabilização econômica que foi adotado após o Plano
Real, que trabalhou e trabalha com um mix de uma âncora nominal e uma âncora
cambial, que exige que a economia funcione com taxas de juros muito elevadas e
com taxas de câmbio muito apreciadas. Esse mix macroeconômico traz uma grande
restrição ao processo de investimento e faz com que a expansão de oferta
potencial ou tendencial na economia brasileira fique sempre abaixo do
necessário para permitir uma expansão sustentável da economia.
Esse
mix macroeconômico por diversos momentos mostrou-se bem-sucedido no seu
objetivo principal, que é o controle de preços. Mas colocava em oposição a
estabilidade monetária e o crescimento da economia, condenando a economia ao
processo de stop and go, que é também
como efeito de segunda ordem muito ruim para a tomada de decisão empresarial
referente ao investimento, porque o stop
and go normalmente cria expectativas muito negativas no que diz respeito a
visões de longo prazo. Então, a economia se aprisionou nessa condenação
macroeconômica e não encontrou, historicamente, nesses últimos 20 anos, uma
saída firme para essa espécie de armadilha. As tentativas de políticas
econômicas que modificassem esse mix, de modo geral, tinham que ser revertidas
porque rapidamente geravam uma tendência de descontrole da inflação e obrigava
a que se retomasse o aumento da taxa de juros e, por sua vez, como efeito
imediato, um processo de apreciação cambial que acabava colaborando para
segurar os preços, mas gerava uma nova rodada de desestímulo ao investimento, e
assim sucessivamente.
Esse
mix macroeconômico tinha um lado positivo, um lado negativo e uma espécie de
equilíbrio; fazia com que se alternassem pequenos vôos de galinha com momentos
de necessidades de contrair a economia. Mas o grande problema foi motivado
pelas diversas decisões de política econômica que se mostraram equivocadas, insuficientes
ou excessivamente instáveis que foram sendo tomadas em sequência pelo governo.
Então, basicamente o período correspondente ao governo da presidente Dilma foi
de decisões de política econômica muito erráticas, muito improvisadas, muito de
empurrar problemas com a barriga, de tomar uma decisão depois tomar uma decisão
contraria, enfim, uma sequência de mudanças de política que realmente
desestruturaram a economia.
Então,
quando a gente chega em 2014, que é um ano eleitoral e, no caso brasileiro,
costuma ser um ano de acirramento em função das diversas dicotomias com que se
estrutura o processo político brasileiro, com uma economia muito frágil já com
descasamentos importantes do lado do gasto público, da receita pública; quanto
do lado também do investimento e do consumo.
Isso levou a que, finalmente, em 2015, já no segundo governo Dilma,
decisões de busca de correção de rota muito incompreensíveis fossem tentadas. A
tentativa de um choque fiscal de grande proporção sem nenhum tipo de base
política para sua realização e, posteriormente, as diversas tentativas levaram
a um quadro de estruturalização de uma crise que, de fato, tinha um componente
conjuntural mais importante do que acabou se revelando.
B.E. – Como essa
crise afeta a universidade pública federal, em particular a UFRJ?
D. K. – Eu acho que
ela afeta a universidade pública federal porque nós, como universidades
federais, somos extremamente dependentes da capacidade de gastos públicos. As
universidades têm um financiamento orçamentário, fundamentalmente,
essencialmente, um financiamento orçamentário e elas dependem das despesas
correntes de governo para sua manutenção. E como o sistema universitário vinha
em expansão, obviamente uma reversão brusca, particularmente da capacidade de
arrecadação, a entrada em déficit do setor público e as decisões de contenção
fiscal das despesas dadas como não discricionários, que é a margem de manobra
que fica para o governo – e que são muito reduzidas – levaram a um
desfinanciamento da universidade. E isso é o que nós estamos vivendo nesse
momento. A universidade trabalha com recursos insuficientes para a reprodução
de suas atividades, para a mera reprodução, muito menos dar suporte ao processo
de expansão em curso.
A
expansão que se promoveu do ensino universitário via Reuni, Prouni e outros
programas que também envolvem financiamento estudantil, ela não era apenas uma
expansão nomotética. Era uma expansão que gerava custos em média crescentes,
pelo fato de que a universidade estaria incorporando uma regionalização mais
intensa, uma descentralização que é mais custosa. É mais caro fazer
universidades em muitos lugares do que fazer uma grande universidade em um
lugar só. Então essa descentralização aumenta os custos do sistema. A
incorporação de alunos que dependem de bolsas e outras formas de assistência
estudantil, seja pela criação de novos cursos que atraem esses alunos, seja
pelas cotas, enfim, não interessa quanto cada um contribuiu para qual, mas
também aumenta o custo de reprodução do sistema e, portanto, a crise fiscal vem
em um momento em que a universidade estava extremamente dependente de reforços
nos seus mecanismos orçamentários. A crise fiscal do Estado brasileiro se
manifesta e está se manifestando de forma ampliada na universidade nesse plano
fiscal.
E
ademais, no caso específico da UFRJ, eu acho que tem de ser levado em
consideração que a UFRJ, dentre as diversas universidades federais, é a maior.
Mas isso não justifica o fato de ela ter a condição financeira tão pior
comparativamente a de outras universidades. A situação financeira da UFRJ,
antes da crise fiscal, já era muito ruim, já era um quadro em que a
Universidade estava com um passivo importante. Parte dele pelo fato de os
recursos recebidos para expansão não produziram, não se tornaram de fato novas
construções. A maior parte das instalações prediais não foi concluída, as obras
ficaram pela metade, outras foram interrompidas. Então, a Universidade já entra
nesse momento de contração fiscal mais frágil porque ela tinha um balanço pior
do que a média das universidades federais. Para a UFRJ, a crise tem sido muito
intensa e a gente tem percebido isso na carne, na pele.
B.E. – Quais
seriam as medidas para nós, dentro da universidade, tentarmos amenizá-la?
D.K. – Não há de fato,
dado o grau de desfinanciamento da Universidade, não vejo ações que se possam
tomar e que tenham efetividade no seu reequilíbrio orçamentário. Evidente que
nós temos dificuldades no pagamento de contas de luz, de diversas despesas
correntes, e que poderiam ser reduzidas, a partir de esforços de racionalização
de uso e redução de desperdícios, que têm que ser feitos, mas isso vai gerar
uma contribuição de pequena monta, dado o tamanho do déficit existente. Não
estou dizendo que a gente não deva, a gente tem que fazer de fato um grande
esforço de economia dos recursos desperdiçados, mas isso não vai ter
efetividade. A solução exige a negociação de uma transição e que se faça um
reequilíbrio das finanças da universidade e a atribuição de novos critérios
orçamentários e um processo de planejamento mais efetivo, que na UFRJ é muito
incipiente. A UFRJ já há muito tempo não consegue planejar a sua vida,
principalmente o processo de alocação de recursos. E de modo geral não está ao
alcance nosso gerar recursos no montante necessário a devolver a Universidade
ao clima de normalidade orçamentário financeira.
B.E. – E para o
pais como um todo, quais seriam as medidas para voltarmos a crescer?
D.K. – Estão
relacionadas a um tal conjunto de transformações necessárias que, de fato, são
difíceis de serem descritas como uma resposta a uma pergunta. Nesse momento, o
país precisa encontrar uma solução para o desequilíbrio fiscal que se
construiu. Independentemente de se considerar que seja o déficit primário ou o
déficit nominal; se é o pagamento de juros, se não é o pagamento de juros, não
há espaço para uma transformação abrupta nos fatores geradores do gasto. Não
adianta num sistema financeiro integrado, em que o Brasil é extremamente
aberto, no plano financeiro, o que não permite que se tenha qualquer margem
para reestruturar essa dívida financeira. A dívida, os gastos orçamentários são
rígidos e dizem respeito a programas que ou são constitucionais ou são
vinculados por diversos meios e que não têm muita margem de manobra para serem contraídos.
Tampouco é desejável que seja feito, porque esses gastos estão diretamente
relacionados a direitos da população, direitos do trabalhador e assim
sucessivamente.
E
aí sim, a nível do país, eu acredito que haja espaço para um esforço importante
de racionalização desse gasto público. Quer dizer, tentar aumentar a
produtividade de cada real que é alocado pelos governos, seja o central, sejam
os subnacionais, na proporção de suas finalidades. Então, aumentar a
efetividade de cada real gasto em saúde, na promoção da saúde; a efetividade de
cada real gasto em educação, na promoção da educação.
Eu
talvez seja um pouco iluminista. Acredito que há um espaço racional de trabalho
e que, diferentemente do que acontece no âmbito interno de uma universidade, mesmo
grande como a nossa, possibilitaria algum tipo de resultado significativo. Mas
não deixaria de ser uma contribuição relativamente secundária.
Eu
entendo que algum tipo de reforma tributária teria que ser feita,
particularmente utilizando o espaço de arrecadação que existe. Se a gente
conseguisse trocar o nosso sistema tributário, extremamente regressivo, para um
sistema tributário mais progressivo, em que o peso do imposto indireto fosse
menor e o peso do imposto sobre a renda fosse maior. Há contas e mais contas
que mostram que isso teria um impacto pequeno e contas que mostram que isso
teria um impacto gigantesco. Assim, trabalhando com números médios a gente
poderia ter um incremento de receita importante para esse momento, em que a
crise fiscal é de fato o maior impedimento à estabilização e ao retorno do
crescimento no país.
No
entanto, o que a gente precisar atentar é o seguinte: há um problema de ovo e
galinha aqui. O crescimento só vai voltar quando o investimento retomar. A
variável econômica que produz crescimento é a formação de capital, mas, ao
mesmo tempo, no sistema capitalista privado, que visa o lucro, o investimento
só vem com força quando a economia está crescendo. Então, como conseguir que
haja investimento em uma economia que não está crescendo indica a necessidade
de pactuar uma política econômica, não é uma política econômica genial, não é
um ovo de Colombo que alguém vai achar; alguém vai propor ou descobrir uma
fórmula genial que vá resolver os problemas. O mais importante é a capacidade
de uma linha política estabelecer um nível de coesão que faça todos remarem na
mesma direção. E isso é evidentemente, fundamentalmente político. A coesão
política é que vai tirar o Brasil da crise. E isso é muito preocupante porque
nossa coesão política já é mínima e mostra que está em deterioração, tanto como
estava nos momentos finais pré-abertura do processo de impeachment, como continua em deterioração no governo interino. E,
portanto, não consigo enxergar nessa dinâmica política atual uma saída para
essa crise.
Qual
é a aposta? É sobreviver até as eleições de 2018 e que, até lá, a sociedade
consiga se organizar politicamente e colocar em perspectiva as possíveis
soluções para a saída da crise. Agora, estou totalmente convencido que uma
parte grande da crise teve origem política e, portanto, a saída vai ter que
depender de uma transformação política muito importante.
PEC
de Temer reduz investimento na educação em 70%, diz especialista
Uma Proposta de Emenda Constitucional
limitando os gastos do governo entrará em vigência em 2017, se aprovada pelo Congresso
Nacional. O novo ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meireles, quer
que as despesas primárias do governo sejam limitadas pelo percentual da
inflação do ano anterior, medida pelo IPCA. Essas despesas são os gastos
governamentais, excetuando as despesas financeiras. Essa emenda, se aprovada,
será válida por 20 anos, permitindo alterações no 10º ano de vigência.
Considerando a proposta,
o economista e ex-diretor do Ipea, João Sicsú, professor licenciado da UFRJ, faz
uma simulação e alerta: o investimento nas instituições de ensino federais
seria hoje 70% menor se essa regra já estivesse em vigência. Dessa maneira, em
2015 a educação federal deixaria de ter recebido R$ 72,3 bilhões de reais. Para
o professor,, a saída do país não é essa: “Se a política de governo é uma
política de apequenar o país diante da crise vai acabar apequenando as
universidades também”.
Aluno da UFRJ nos anos de
1970, Sicsú frequenta a Universidade há quase meio século e lembra o período
mais complicado em que “vi situações gravíssimas, nos anos 80 e 90, dentro da
universidade, não tinha papel, não havia carteiras suficientes para todo mundo
sentar, não tinha dinheiro para pagar energia elétrica e metade das lâmpadas
das salas foi arrancada para economizar”. Já como professor, observa que o
melhor período foi entre 2005 em 2012, onde a evolução foi incomparável com
qualquer período anterior: o investimento cresceu e o número de alunos
praticamente dobrou, em instituições de todo o país.
“Tudo indica que
podemos entrar em uma fase de retrocesso, com a proposta de limitação dos
gastos de governo considerando a inflação”. Na sua opinião, o pensamento é que
não se deve medir os gastos de acordo com a inflação, mas com as necessidades
reais da sociedade. “Qual a relação preço da cebola, da passagem (que determina
o valor da inflação anual) com o quanto o governo gasta em vacina ou construindo
de uma universidade? Uma coisa não tem nada a ver com a outra.”, acrescenta. Se
em 10 anos o investimento diminuísse 70% na educação, o questionamento sobre o
que aconteceria com a universidade daqui a 20 anos fica evidente.
A proposta é uma medida
do governo interino para vencer a crise econômica. Crise esta que, segundo o
economista, tem origem na política. Assim como outros importantes fatores como
o Judiciário, o poder de compra, relação do Brasil com o mercado externo,
instabilidade no governo significam fragilização econômica. A incerteza de um
governo provisório e a falta de confiança em como ele se instaurou são, segundo
ele, fatores complicadores “Esse governo que está aí prolonga a crise politia,
tem legitimidade nula, não teve nenhum voto”, afirma Sicsú.
Para sair deste quadro,
o professor fala em criar políticas para aumentar os direitos sociais,
trabalhistas, previdenciários, aumentando, assim, a confiança da população no
governo e alavancar a economia. O economista diz que a grande riqueza do Brasil
está na produção nacional, vasta a diversificada. Como produção entende-se todo
o contexto, incluindo empresários e trabalhadores, que beneficiados com
programas de crescimento, passam a confiar na política do Brasil, alavancando a
economia.